segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O que mudará com a vigência do PL 7762/2010?

Artigo
Dr. igor Azevedo
MBAF Consultores e Advogados


Visando complementar 03 artigos da Lei 9.656/98, que atualmente regula a atividade dos planos de saúde, foi apresentado, em 17/08/2010 pelo deputado Chico Lopes do PCdoB – CE, o Projeto de Lei 7762/2010, que ainda está sem data para votação no Congresso. Caso seja aprovado, o que realmente mudará?

Estima-se que os Planos de Saúde estão presentes no cenário nacional desde a década de 40, quando algumas estatais começaram a oferecer este serviço a seus funcionários. Contudo, foi somente na década de 60, quando também as empresas privadas passaram a oferecer este serviço, que este mercado passou a crescer significativamente. O crescimento deste segmento resultou em uma relevância constitucional em 1988, quando a Constituição Federal, então elaborada, expressamente permitiu à iniciativa privada explorar o serviço de assistência à saúde mediante controle do estado, mas apenas em 1998 foi aprovada a primeira lei para, efetivamente, regular esta atividade.

A Lei 9.656/98 surgiu principalmente para equilibrar as relações entre planos de saúde e consumidores, estabelecendo algumas garantias, como, por exemplo, a proibição da rescisão unilateral do contrato e a provação pelo governo das taxas de reajustes.

Foi, também, por meio desta norma que se criou o Conselho Nacional de Saúde – CONSU, composto pelo Ministro da Saúde; Ministro da Fazenda; Ministro da Justiça; Superintendente da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP; Secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde e pelo Secretário de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde. Este órgão é um ente colegiado deliberativo, de natureza permanente, com fim de definir, regulamentar e controlar as ações relacionadas com a prestação de serviços de saúde suplementar nos seus aspectos médico, sanitário e epidemiológico.

No exercício de suas atribuições, em 04.11.1998 o CONSU fez publicar no Diário Oficial a resolução nº. 08/1998 que, em seu artigo 4º, determina que as operadoras de plano de saúde forneçam ao consumidor laudo circunstanciado, quando solicitado, bem como cópia de toda a documentação relativa às questões de impasse que possam surgir no curso do contrato, decorrente da utilização dos mecanismos de regulação.

Significa dizer que, caso o laudo seja solicitado pelo cliente, a operadora deve apresentar-lhe um documento que esclareça suas dúvidas relativas às normas de regulação. Com o advento do projeto de Lei 7762/2010, se ampliará o universo das informações que devem ser prestadas ao consumidor, ao passo que tonará obrigatória a apresentação de justificativa ao cliente sempre que houver recusa de um procedimento, exames, internamento ou conduta similar, independente de prévia solicitação.

Assim, sempre que for negado um procedimento a operadora do plano de saúde deve, obrigatoriamente e independente de prévia solicitação, prestar ao consumidor todas as informações necessárias ao perfeito entendimento dos motivos da recusa. Atualmente, esta obrigatoriedade é garantida pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC, através do princípio à ampla informação do consumidor. Contudo, o PL inova ao trazer expressamente a forma como a justificativa deve ser prestada. Será ela por escrito, constando o fundamento legal ou contratual da negativa, o responsável pela análise técnica da solicitação e a data em que ela ocorreu.

Se for aprovado, o referido projeto forçará as empresas operadoras de planos de saúde a analisarem minuciosamente os casos de recusa, pois, uma vez que a informação será prestada ao consumidor de forma escrita e documentada, servirá de prova robusta em caso de eventuais abusos.

Por outro lado, a Lei peca ao não estipular prazo para resposta das operadoras, pois gera insegurança, tanto para o cliente, como para aquelas empresas. Isto porque esta lacuna dá margem a interpretações diversas sobre qual tempo seria razoável para a entrega desta resposta.

Ademais, por atribuir uma maior complexidade à resposta das operadoras, o PL em comento, inevitavelmente, aumentará o período de espera pela resposta quando houver a recusa, tempo do qual o cliente pode não dispor. Este fato se dá em razão da possível Lei exigir que a informação seja prestada por escrito e no momento da recusa, o que impede as operadoras de prestarem qualquer resposta antes da formação do instrumento.

Atualmente os planos de saúde estão autorizados a simplesmente recusarem o procedimento e justificarem, posteriormente, caso seja solicitado. Esta faculdade torna a relação mais célere e tão segura ao consumidor quando será na hipótese de aprovação da PL, pois o ordenamento ora vigente já garante aos clientes o direito a receber tais informações, ainda que posteriormente. Este direito resta resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Cumpre então ressaltar que não há mais dúvida sobre a aplicabilidade do CDC entre os planos de saúde e seus clientes, pois a Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça - STJ, editada em 29.11.2010, esclareceu que a relação é mesmo de consumo. Mesmo assim, o mencionado PL preocupou-se em deixar expresso que a relação jurídica firmada entre os planos de saúde e seus clientes é sempre de natureza consumerista, ainda que firmada através de interposta pessoa. Desta forma, o direito a informação garantido pelo CDC estende-se, indubitavelmente, aos beneficiários de plano de saúde.

Outra consequência de ser uma relação de consumo é que, caso o projeto entre em vigor, a simples negativa de um procedimento, exames e internação ou conduta similar sem o envio da justificativa resultará em ilícito de consumo passível de multa administrativa ainda que não cause danos ao consumidor. Portanto, as operadoras deverão observar esta nova obrigação e enviar a justificativa mesmo sem requisição do cliente, ou este pode procurar o PROCON, mesmo que não sofra qualquer lesão.

O PL 7762/2010 também inovou ao determinar que as fornecedoras de planos de saúde enviem trimestralmente o número de procedimentos negados à Agência Nacional de Saúde – ANS. Isto permitirá que esta autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, criada para regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades que garantam a assistência suplementar à saúde, efetivamente, verifique a quantidade e até mesmo a idoneidade das recusas.
O deputado Chico Lopes, idealizador da proposta, pretende, ainda, que as operadoras permitam a migração dos seus beneficiários do plano coletivo pra o individual sem a necessidade de novo prazo de carência e sob as mesmas condições, desde que o cliente assuma pagamento integral do plano. Esta obrigação será incluída no artigo 16 da lei 9.656/98 e caso o consumidor opte pela migração ela será estendida a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do plano coletivo.

A eventual aprovação do projeto de lei 7765/2010 trará, sem dúvida, novas e complexas obrigações para as fornecedoras de planos de saúde, entretanto, não concederá prazo para as operadoras adaptarem-se as reformas. A adequação necessária demandará novos procedimentos, contratação e treinamento de pessoal. Sendo assim, o PL em comento não deve passar a vigorar a partir de sua publicação, como determinado o seu art. 2º, sob pena de imputar as operadoras um custo insuportável.

Também por esta razão, o projeto, provavelmente sofrerá reformas antes de sua aprovação, principalmente no que diz respeito ao prazo adaptação, a exemplo do que aconteceu recentemente com as operadoras de telefonia no caso da portabilidade.

Concluindo, entendemos que o projeto, embora tenha a intenção de trazer benefícios ao consumidor, se aprovado poderá ter efeito contrário, pois ao burocratizar o procedimento de recusa, pode resultar em um indesejado alongamento do prazo de resposta. Ademais, o fato de não determinar um período para que as fornecedoras se adaptem aos novos procedimentos, prejudicaria as fornecedoras de plano de saúde, que notoriamente não podem atender tais exigências imediatamente.

Autor:  Igor Azevedo é advogado coordenador e membro do grupo de Négócios-Saúde do MBAF Consultores e Advogados. Especialista em Direito Tributário pelo JusPodvim.


Artigo publicado no JUS NAVIGANDI e JUSBRASIL