Advogado diz que provavelmente gestores do SUS - quando questionados sobre as
razões do paciente esperar mais de 60 dias - alegarão que não havia recursos
para cumprir a determinação legal.
Em breve os hospitais públicos, assim como todas as instituições conveniadas
ao Sistema Único de Saúde – SUS terão 60 dias para iniciar o tratamento de
pacientes com câncer. O Congresso Nacional já aprovou e encaminhou a presidente
da república, projeto de lei nesse sentido. Uma vez sancionada pelo chefe do
executivo federal, a nova regra passará a valer 180 dias após a sua publicação
no diário oficial.
O inicio do prazo para o tratamento será contado a partir do dia em que for
firmado o diagnóstico em laudo patológico e poderá, inclusive, ser menor que 60
dias conforme a necessidade terapêutica do caso. Para efeito de cumprimento da
determinação legal, será considerado iniciado o tratamento com a realização de
terapia cirúrgica ou com o início de radioterapia ou de quimioterapia, a
depender da necessidade do paciente.
A nova lei garante ainda acesso privilegiado a analgésicos opiáceos ou
correlatos aos diagnosticados com neoplasia maligna (câncer) com manifestações
dolorosas e obriga os Estados que apresentarem grandes espaços territoriais sem
serviços especializados em oncologia a produzir planos regionais para superar
essa situação.
A iniciativa é louvável no ponto em que estabelece um prazo máximo para o
início do tratamento e demonstra que o Brasil realmente se preocupa em evitar a
evolução da doença em razão da espera por atendimento. Entretanto,
juridicamente, existem dois problemas que podem frustrar a efetividade da nova
lei.
O primeiro obstáculo é a questão das penalidades pelo descumprimento. Uma vez
que a lei determina que os administradores direta ou indiretamente responsáveis
estarão sujeitos as penalidades administrativas, mas não determina quais serão
estas penalidades. Por este motivo, não poderá haver punição antes da aprovação
de outra lei especificando-as.
O outro grande problema será a falta de estrutura do Estado. Segundo
pesquisas recentemente divulgadas pelo Tribunal de Contas da União – TCU, existe
um déficit de 135 equipamentos de radioterapia, 44 de cirurgia e 39 de
quimioterapia.
Mas a lei não determina que o tratamento comece em no máximo 60 dias? Embora
a maioria acredite que se há lei, ela deve ser cumprida, quando a exigência é
feita ao Estado não funciona bem assim, antes há que se observar o que no
direito é chamado de reserva do possível.
Significa dizer que o Estado não será obrigado a cumprir certos tipos de
determinações legais, ou pelo menos não sofrerá as consequências do seu
descumprimento, caso o adimplemento da obrigação demande um esforço maior do que
o que ele pode suportar. Assim, muito provavelmente, quando questionados sobre
as razões do paciente ter esperado mais de 60 dias para o inicio dos
tratamentos, os administradores alegarão em sua defesa que não havia recursos
para cumprir a determinação legal e serão absolvidos.
Em 2011 um paciente já esperava, em média, de 30 a 120 dias, dependendo do
tipo de intervenção médica, para iniciar um tratamento pelo SUS. Com o advento
da nova lei, para não serem vítimas da falta de estrutura estatal e verem seu
quadro se agravar, muitas pessoas poderão e, certamente, recorrerão ao
judiciário para forçar o atendimento em até 60 dias e, com certeza, os
magistrados concederão muitas liminares nesse sentido. Será que o sistema
público de saúde terá condições de cumprir tais determinações judiciais?
A grande questão que se deve enfrentar para resguardar o direito a saúde dos
pacientes com câncer, assim como o de todos os outros pacientes, é a falta de
estrutura do Estado. A edição de novas leis não tem o poder de trazer
efetividade nem qualidade ao sistema de saúde pública e, mesmo representando um
avanço, é unanime entre os médicos que o inicio do tratamento do câncer deve ser
imediato. Em alguns casos, 60 dias de espera pode representar a diferença entre
a vida e morte. O problema no Brasil não é a falta de leis, mas a falta de
leitos.
Dr. Igor Azevedo. Advogado Tributarista. Membro do Núcleo Saúde do MBAF
Consultores e Advogados. Especialista em Direito Tributário.